2019



1ª Trama: Introdução

No filme brasileiro, "Narradores de Javé", dirigido por Eliane Caffé e estrelado por José Dumont e Nelson Xavier, somos levados a vivenciar a história da pequena cidade de "Javé", que desaparecerá submergindo nas águas de uma represa. Seus moradores não poderão ser indenizados porque não possuem registros nem documentos das terras sobre as quais ergueram-se casas e sonhos. Desprotegidos e inconformados com a situação, descobrem que tudo poderia ser preservado se houvesse um patrimônio histórico/cultural de valor comprovado, em "documento científico", como foi dito pelas autoridades. Então, decidem escrever a história da cidade.

Para além de toda a poesia contida nesta representação filmica, existe a necessidade que uma população tem de sentir-se pertencente a um certo espaço/tempo de vivência ancestral e cultural (território) revelando-se, com o passar do tempo, numa busca pelo resgate, preservação, difusão e aprendizagem sobre o Patrimônio Cultural de uma comunidade, aqui definido como:

”Toda produção humana de ordem emocional, intelectual e material, independente de sua origem, época ou aspecto formal, bem como a natureza, que propiciem o conhecimento e a consciência do homem sobre si mesmo e sobre o mundo que o rodeia”. (ORIÁ apud GODOY, 1985). .

Todo professor, como educador, não deve limitar-se ao cumprimento burocrático do seu papel na escola e na sociedade e, tampouco, a história deve ser a "disciplina desinteressante" que só fala de velharia, que está desligada das cosias práticas da vida, como comumente ouve-se nos corredores e pátios das escolas. A aprendizagem da história nas escolas deve ser contextualizada, partir das descobertas locais para ampliar a compreensão dos planos mais amplos de conhecimento e cultura de uma população. Por isso que a história local é importante e toda leitura que dela se fizer, deve estar integrada com as formas de cosntrução de conhecimentos pela comunidade como um todo e pelos estudantes.

Relendo a excelente obra do historiador Almir de Oliveira, "Salinas da Margarida: notícias históricas" e impulsionado por alguns documentos que, acidantalmente, encontrei nos arquivos digitais do Arquivo Nacional, resolvi aprofundar a pesquisa e unir o resultado da minha curiosidade ao estudo da história local. 

Uma das questões mais discutidas sobre a história de Salinas da Margarida é, sem dúvida, a origem do termo "MARGARIDA". Desde os registros orais aos resgates históricos em publicações, a Margarida se insinua ora como mulher, esposa e flor até perder-se num "Ponto" geográfico ou "Ponta" nas estratégias dos militares na Baía de Todos-os-Santos. O que é e o que não é neste história vai depender do nosso esforço em juntar os cacos do passado para, no presente, de repente, aprender.

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Sérgio Araújo

O R C I D
ORCID iD iconorcid.org/0000-0001-8531-1155
I N F O
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O U T R A S P A L A V R A S

“Em um momento mágico de sua infância, a página de um livro - aquela série de cifras estranhas e confusas - transformou-se em significado. Palavras lhe falaram, desistiram de seus segredos; naquele momento, universos inteiros se abriram. Você se tornou, irrevogavelmente, um leitor ”.

Albert Manguel

Ponta da Margarida

Levantou às 3, às 4 partiu na velha canoa costeando o lombo do leste, devagarinho, na flor da maré grande.

Olhando de esguelha pra não esbarrar em pesqueiro coberto, Biô cantarolava baixinho e remava crispando a água nos dois lados pra fazer rumo certeiro no cardume de tainha.

Rede pronta na proa, branquinha na garrafa, já distinguia o vulto cabeludo da Ilha do Medo quando o primeiro pingo bateu como um cascudo na aba do boné.

Olhou pra cima, pro breu do céu e recebeu outro pingo. Dessa vez acertou-lhe o olho direito lavando as remelas e clareando a visão pra aurora que avermelhava acima da proa.

Biô, tirando força dos braços magros e ressequidos de muitos verões, fez a “Margarida” deslizar veloz contornado o lombo e ganhando mar aberto.

De repente, o que era claro ficou escuro, o céu enturvou e o vento soprou água do mar nas narinas de Biô. Margarida rodopiava num samba de roda encachaçado quando um peixe voador raspou-lhe a orelha e um fio de sangue correu, cor de rosa, sobre a camisa encharcada.

Lá se foi o remo, a branquinha vazou, a rede escorregando pela beirada, parecia fazer seu trabalho de todos os dias, espalhando-se sobre a água com suas bóias coloridas.

Margarida bebeu água, Biô também. O vento gelado chicoteava seu corpo, a canoa empinava e mergulhava na vaga: foi uma, veio a segunda, na terceira vez cuspiu Biô, mergulhou e não mais voltou, partida ao meio por um raio certeiro.

Às 12, na praia deserta: restos de rede, tralhas de pesca, pedaços de pau, uma flor, um vidro de perfume e um rastro de peixe grande que se estendia da beira da água até o corpo de Biô.

Quem viu, contou do sorriso nos lábios do pescador e do cheiro forte de alfazema que se espalhou pela praia com a brisa leve da Bonança.

Sérgio Araújo

O U T R A S T R A M A S
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